23.3.16

LUÍS XIV NA REVISTA PIOLHO




LUÍS XIV


lembro-me dos teus pés
uma gritaria assoviada
um impacto de corpos celestes
perfurando as camadas congeladas da memória
lembro-me dos teus pés
e dos teus extravagantes sapatos topografando as esquinas
desviando grandes rotas
lembro-me dos teus pés
dos planetas não explorados
e do plutão vermelho que carregava na boca
te apelidei de luís xiv
por isso resisto caminhar descalço
resisto às guerras ganhas
resisto às mentes sem trajetória
ouvi dizer que teus pés descascavam |eu mesmo disse|
a desidratação não era a causa mais provável
a causa mais provável era a falta de histórias
histórias aplacam sofrimentos morais
te apelidei de luís xiv e nem salto você usava
pensei em açougueiro egípcio
só eles usavam plataformas para manter os pés longe da sujeira
você era sujo, definitivamente sujo
era um ser fictício
igual aos pastéis de feira em dias de domingo
lembro-me dos teus pés
atravessando o percurso entre o ponto |a| e o ponto |b|
a água do mar encobria tua imagem
estourando em bolhas teus lábios molhados
lembro-me dos teus pés
depois de anos sem ouvir teus passos
meus punhos ainda pronunciam teu nome
nevando minhas noites apócrifas
lembro-me dos teus pés
entretanto a cosmofísica não explica as cavidades
subcutâneas das minhas lembranças
desde o rebaixamento de plutão
o sistema solar passou a ter oito planetas
não obstante a suposta existência dos teus pés
tuas órbitas estranhamente alongadas
teu salto alto e os 4,48 bilhões de quilômetros de distância do sol 
podem mudar essa história
lembro-me dos teus pés
e das caixas de salto alto científicas
não percebemos os 1.400 anos-luz de distância do solo
a gravidade nunca te equalizou e sobre teus dedinhos
minha língua insinua mentiras
lembro-me dos teus pés
do esforço para manter o equilíbrio
dos abismos que construía entre o estômago da lua
e dos velhos poemas à beira-mar
naquelas tardes pedia-me asas
|órgão do voo dos poetas e dos lunáticos|
lembro-me dos teus pés
da sacra histeria
da deliciosa indecência
e da equação que fazia tentando arrancar o corpo do chão
|a extremidade dos membros inferiores me assusta|
lembro-me dos teus pés
enterrados nos olhos
revelando a beleza da pura filosofia
dreams of a final theory
lembro-me dos teus pés

porque de você, luís xiv, eu não lembro 

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